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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Um mato sem cachorro

Desde pequeno, Casimiro se habituara a ouvir histórias terríveis da reserva de mata nativa que ficava próxima da sua casa. Uma das mais assustadoras ele ouviu quando sua mãe tricotava com as vizinhas e tecia comentários a respeito de cachorros que entravam só até a metade do local.

O que acontecia com eles a partir de então? Eram abduzidos? Uma fera os atacava impiedosamente? As hipóteses eram tão horrorosas que Casimiro jamais teve coragem de falar sobre o assunto com qualquer outra pessoa.

Depois de tantos pesadelos com esta história, ele decidiu: Tobi, seu fiel companheiro desde que ele se conhecia por gente, estava terminantemente proibido de ir até lá. Para poupar seu amigão do sumiço fatal, Casimiro resolveu prendê-lo no quintal.

Tobi era um pinscher de pelagem escura e, caso desaparecesse, encontrá-lo naquela mata seria tão difícil como encontrar uma agulha no palheiro. Habituado à liberdade, o cãozinho não viveu mais muito tempo amarrado àquela coleira.

O tempo passou e as experiências de Casimiro mostraram que ele foi muito cruel com seu primeiro grande amigo. O manequim do sumiço de cães saiu da vitrine da sua memória por alguns anos, mas uma intensa paixão da sua juventude trouxe tudo isso de volta.

Depois de tanto cortejar aquela moça simpática e atraente, que acabara de se mudar para o bairro e fora apresentada por um colega de trabalho, Casimiro conseguiu, enfim, convencê-la para sair e darem um passeio de carro, o seu primeiro. Aliás, foi neste veículo que ele aprendeu a “costurar” pelas ruas a avenidas da cidade, bem como a desenhar os primeiros croquis na arte de beijar na boca.

Os primeiros números desta coleção tiveram a também a assinatura da tal moça, o que, por si só, já faria dela uma pessoa muito importante na vida de Casimiro. No entanto, aquele encontro ganharia recortes interessantes.

Depois de vários beijos ardentes, a moça baixou a janela do vidro do carro e percebeu que eles tinham parado em frente a tal mata que dava cabo de pobres e inofensivos cães. De supetão, ela alfinetou:

– Está vendo este bosque, aí? Então, você sabe porque os cães só entram até a metade dele?

O rapaz sentiu novamente o frio na espinha vivido minutos antes. Dessa vez, não era o arrepio da paixão, mas, sim, o medo que aquele lugar despertava em sua infância, sobretudo em relação a Tobi. A saliva, que já era pouca depois de tantos beijos, desapareceu da sua boca e mal conseguiu balbuciar:

– Por quê?

Porque depois que passa da metade, o cachorro não está mais entrando, mas, sim, saindo – respondeu ela, em tom jocoso, de quem conta uma piada.

Aquela noite se tornaria inesquecível para Casimiro. Depois de um momento romântico, de emoções tão fortes, viria outro repleto de razão. Acabava aí um grande mistério dos seus primeiros anos de vida e iniciava outro, presente na História desde sempre, que nunca sai de moda: o da paixão.

Depois deste encontro, Casimiro e sua musa só saíram (às escondidas) mais uma ou duas vezes. A moça não dava ponto sem nó e retirou o seu nome da parceria tão logo as primeiras cobranças da sociedade anônima que haviam firmado começaram a chegar. Só restou ao rapaz enrolar carretéis, retroses e novelos com as linhas que ele tinha lançado em vão na direção do coração do seu primeiro amor.
Enfim, o rapaz sofreu muito com o fim do relacionamento. Era uma barra difícil de suportar e impossível de ser consertada. Ele bem que tentou guardar em um biombo os novos números da coleção do outono da sua vida, mas sua mãe percebeu toda aquela tristeza e tratou de tirar as medidas do coração do filho:

– Você está meio desanimado, Casimiro? O que está acontecendo?

– Há muito tempo, conversando com as vizinhas, a senhora falou que, nesta mata próxima de casa, os cachorros só entravam até a metade – começou a explicar Casemiro, com a clara intenção de mudar de assunto.

– Pois é, filho, eu me lembro vagamente desta história. Mas, como pode um rapaz da tua idade, estar com medo de uma coisa dessas? – provocou a mãe, que também não se recordava da segunda metade da piada.

– Dia desses descobri que a história não é bem assim. Os cães só entram até a metade, pois, a partir do momento que eles passam desse ponto, eles já estão saindo – explicou.

– É verdade, é bem assim que a piada termina. Mas quem lhe contou este causo? – interrogou a mãe, curiosa.

– Uma moça com quem eu saí dia desses... – disse Casimiro, meio sem jeito.

– Ah, está aí o motivo para você estar feito como roupa encalhada em ponta de estoque...

– Sim, eu estou apaixonado por ela. Não há dedal que me proteja das agulhadas que meu coração está levando por causa desse moça – desabafou, chorando no ombro da mãe.

– É, filho, você está mesmo num mato sem cachorro mesmo... Mais do que descoser seu coração, essa desilusão fez um rasgo no tecido da sua alma. Nesse caso, não há remendo que dê jeito...

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