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quinta-feira, 21 de maio de 2015

A poltrona ao lado



Nos tempos que eu andava de ônibus, uma das coisas que mais me deixava desapontado era quando estava sentado no banco duplo e os passageiros preferiam ficar em pé em vez de sentar-se ao meu lado. E isso piorava quando uma mulher bonita poderia ser a minha companhia por alguns minutos (na época, eu era solteiro...). Várias hipóteses rondavam minha cabeça nessa hora. Será que o meu hálito não estava adequado? Teria sido o meu desodorante que vencera? Ou minha cara intimidava aqueles que ainda não me conheciam?

Porém, acredito que a mais racional delas era a largura dos meus ombros. Não poderia se esperar outra coisa de um sujeito que mede dois metros de altura: tenho lá um metro e tanto entre uma clavícula e outra. Além das possibilidades de relacionamento perdidas, outra coisa me incomodava. Sempre tem aquela senhora, que não teve um bom dia de trabalho ou que enfrentou uma fila quilométrica na fila do INSS, que em seu íntimo se questionava: “Rapazinho espaçoso esse, não?”. Outras ou outros iam além: “Será que ele pagou duas passagens para ocupar tanto espaço?”.

Por mais absurdo que isso pareça (para mim, pelo menos), esse já é um procedimento adotado por companhias aéreas de várias partes do mundo. Nesse caso, o “alvo” são os obesos (não que eu também não pertença a essa classe). Sempre ouvi e por vezes tomei por regra a frase que diz: “o seu direito termina quando começa o do outro”. Isso também deveria valer para o espaço de poucos centímetros destinado a cada passageiro que embarca em vans, ônibus, trens ou aviões.

Mas agora eu vou falar em nome dos “compridões”. Todo mundo pensa somente em defender o interesse próprio ou da sua turma. Por fugir à regra, nunca ninguém parou para pensar no drama que muita gente que tem a minha altura passa quando vai em pé no ônibus, podendo bater a cabeça no teto a qualquer solavanco. O máximo que se faz nessa hora é dispensar comentários do tipo: “Vão ter que aumentar a altura do ônibus por sua causa”, e na hora de descer: “Se abaixa (sic) se não você não passa pela porta”.

Isso sem falar nas pernas que não cabem em qualquer banco
. Se o altão não encontra um banco próximo das portas (que costumam ter um pouco mais de espaço), o jeito é ficar de “ladinho”. Pior ainda é quando se viaja de ônibus interurbano e o cidadão que está na sua frente decide reclinar a poltrona e o faz ignorando as suas pernas. Dá vontade de dizer: “Calma aí, o seu direito de reclinar essa poltrona termina quando (ou onde) começa o meu joelho”.

Em meio à crise do setor aéreo, em julho de 2007, quando houve o acidente com o avião da TAM no Aeroporto de Congonhas que matou 199 pessoas, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, sugeriu a redução no número de poltronas em cada aeronave. Mesmo sendo uma medida que talvez viesse a aumentar a segurança nos voos, ele foi criticado pelo argumento que utilizou. Jobim falou que isso se fazia necessário para dar maior conforto às pessoas de maior estatura, que nem ele, que tem 1,9 metro de altura.

No calor daquele momento trágico, a imprensa e a oposição viram nesse comentário uma afronta à dor daqueles que perderam entes queridos no acidente e que o ministro estaria pensando somente em si. Muitos criticaram Jobim, eu não! É bom que se diga que a altura média da população brasileira está aumentando. Ainda assim, aqueles que passam de 1,9 metro ainda são uma minoria.

Mas se ainda apostamos na ideologia do Estado Democrático de Direito, é importante que essa parcela da sociedade também seja ouvida e respeitada em sua (falta de) limitação. O meu conceito de democracia não diz respeito somente ao voto que permite que a maioria coloque no poder os governantes mais capacitados, mas também na capacidade que governo e sociedade possuem de dialogar com aqueles que não estão dentro dos padrões físicos médios.

O vídeo abaixo é uma homenagem aos tempos que eu andava de ônibus. Volta ou outra, a “turminha do fundão”, que me acompanhava no retorno da faculdade para casa, puxava esta:







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