Os
dez primeiros anos de minha vida escolar foram em instituições públicas e –
como eram raras as vezes que eu tinha dinheiro para comprar um lanche na
cantina durante o recreio – o meu apetite no retorno para casa era proporcional
ao que era servido na merenda. Se era suco com bolacha, poderia ficar horas a
fio sem uma nova refeição; se fosse sagu, na quinta aula meu estômago já
roncava e tão forte que quem estava por perto, poderia imaginar que eu tinha
algum problema no “escapamento”.
O
dilema, porém, estava instalado quando serviam sopa de letrinhas: metade das
vezes topei “rangar” o prato; nos outros 50%, recusei. Com certa ironia, quis o
destino (não a única figura mitológica grega a qual Zeus se submetia) que
aquelas letrinhas viriam a fazer parte do meu ofício.
Na
produção de um texto jornalístico, a qualidade da informação que se tem em mãos
e a forma como esta será abordada são determinantes para o resultado. Com
receita e ingredientes na mão, é possível demonstrar se este “cozinheiro” da
notícia é um grande chef ou um
mero “fazedor de miojo”.
Em
quatro anos de faculdade, aprendi mais do que simplesmente fazer macarrão
instantâneo. Por isso, acho justa a analogia da profissão que escolhi com a
receita de uma sopa de letrinhas.
A
“massa”, a única coisa que vai restar de sólido no prato vindouro, são os
verbos, aquilo que vai dar vida a esse texto. Sem eles, descrições não tocarão
o coração, narrativas perdem o desejo de descobrir o que acontece no fim e
argumentos deixam de valer a pena um segundo da nossa atenção.
Mas
no quê jogar essa massa cheia de verbos? Na água dos substantivos! Afinal, algo
só acontece com alguma coisa. Ou será o contrário? Enfim, é dando nome aos
bois que uma notícia torna-se diferente, incomum, digna de se escrever uma
linha a respeito.
Embora
não sejam recomendados pelos manuais de redação, os adjetivos são o sal desta
sopa. Como convencer o seu público da importância de determinados dados sem ter
que fornecer outros milhões? A resposta é atribuir-lhes qualidades ou defeitos,
ocupam menos caracteres. Porém, uma ressalva: exagerar muito na adjetivação
pode fazer minha sopa virar uma salmora. Deus me livre!
Mas
uma boa sopa não se faz somente com sal. É preciso acrescentar estes temperos,
aqui chamados de advérbios. De modo, intensidade, espaço, dúvida, negação e
outras tantas iguarias do Idioma de Camões, eles vão demonstrar se o meu texto
quer ser apimentado ou simplesmente insosso.
E
as preposições e demais classes morfológicas, que papel ocupam? O conhecimento
sobre elas é responsável por dar “liga” a esta receita. Ter a expertise
de quando tudo está no ponto, é fundamental para o prato ganhar consistência –
nem demais e tampouco de menos – antes de servi-lo ao público.
Claro,
antes disso, vou querer jogar uma colher desta sopa na mão e experimentar se o
que sabor do que eu preparei o está bom. Neste momento, releio o texto e
imagino como o público vai degustar esta sopa de letrinhas que foi fruto de
tanto esforço jornalístico e criativo da minha parte.
Mas
a palavra final será da audiência do meio para o qual estou trabalhando. Os
convivas desta refeição não estão reunidos em um salão com mesas e cadeiras.
Eles encontram-se difusos na audiência composta de leitores, ouvintes,
telespectadores ou usuários.
Quando
a refeição sai a contento, todos pagam sua conta e vão embora em silêncio. Se,
por acaso, você erra a mão, haja reclamação e bronca do chefe!
São
poucos os que perguntam quem foi o cozinheiro para prestar-lhe alguma homenagem
na forma de elogios. Gorjeta, nem pensar! Afinal de contas, somos bem pagos (?)
para fazer textos incríveis e, no fim das contas, não fomos além do que é nossa
obrigação.
Nesta
profissão, uma coisa é certa. Enquanto você lê estas linhas (parabéns a quem
chegou até aqui), já estou pensando ou mesmo preparando minha próxima sopa de
letrinhas. Bom apetite! Volte mais vezes! Atendemos bem, para atender sempre!
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