Certamente você já ouviu falar da Lei do
Retorno. É aquela que diz que tudo que vai, inevitavelmente, um dia, terá de
voltar. É uma regra que se aplica a muitas coisas, mas não a todas. Ainda mais
se você estiver falando das ruas de médios e grandes centros urbanos
brasileiros.
O número de vias, outrora pacatas, que estão
ganhando sentido único não para de crescer. Solução para dar maior fluidez ao
cada vez mais confuso trânsito de nossas cidades, permitir que apenas uma direção
seja percorrida em determinada rua faz despertar muitos sentimentos, além do
medo de entrar pela contramão, é claro...
A primeira consequência prática deste fenômeno urbano, que recebe o nome de “binário” em muitos lugares, é óbvia: ir e vir por estas ruas, só se for a pé. Para quem anda de carro ou com qualquer outro veículo motorizado, esta mudança significa reduzir pela metade a possibilidade de passar por estas vias.
E quando estas ruas fazem parte da história das
nossas vidas? Isto implica que a releitura por páginas deste passado fica
prejudicada em 50%.
Sabe aquele tapume onde o jovem pedreiro pichou
frases à sua amada? Ele, com a sua bicicleta elétrica, só poderá vê-las na ida
ou na volta do seu trabalho.
O mesmo se pode dizer daquela engenheira, a
bordo do seu carro espaçoso, que agora só poderá passar uma vez (e não mais
duas) por dia diante da creche que foi testemunha do seu primeiro beijo.
Tudo isso a caminho da mesma obra onde o
pedreiro pichador joga, todos os dias, dezenas de pás de cal sobre os problemas
da sua vida. A engenheira, por sua vez, projeta o futuro em sua prancheta, mas
rabisca, em seu íntimo, os traços da primeira paixão que ficaram em seu coração.
Mas este não é o único canteiro onde a saudade
se encontra com a placa de contramão. Não muito longe dali, na mansão de um
rico empresário da cidade, a florista lida com várias rosas, mas também com
muitos espinhos.
O pior deles está cravado há muito tempo em seu
peito e o tal fica cutucando seus átrios toda vez que está a caminho do trabalho
– o retorno para casa é por outra rua. Ao passar pelo restaurante que foi
testemunha do primeiro encontro com o seu falecido esposo, ela se lembra, entre
risos e lágrimas, que aquele jantar, que fora delicioso pelo cardápio e pela
companhia, quase terminou em tragédia.
Tão distraído e encantado com a noite que
tiveram, seu amado quase bateu o carro porque se esquecera de ligar os faróis.
Ainda que esteja caindo aos pedaços, tal qual uma flor que está perdendo suas
pétalas, o veículo ainda está aos cuidados da florista. Mais atenta, ela só sai
de noite com as luzes acesas e respeita todas as placas de mão única. Na
contramão, só o seu coração...
Mesmo sem fazer a menor ideia da dor que habita
a alma da sua empregada, o filho mais novo dos patrões da florista também está
chateado com esta história de atribuir sentido único às ruas do seu bairro. Com
18 anos recém-completados, ele ganhou uma moto dos seus pais, mas não pode ir e
voltar pela rua que fez despertar nele a paixão por andar sobre duas rodas.
Foi ali que ele conseguiu, sem a ajuda de
ninguém, se equilibrar sobre uma bicicleta sem precisar de rodinhas. O que ele
não conta para ninguém, é que a magrela era rosa, emprestada por uma vizinha da
época. Para lembrar este episódio, só no caminho de volta para sua casa; a ida,
por força do binário, precisa ser feita por outra rua.
A rotina do pedreiro, da engenheira, da
florista e do jovem motociclista ensina que, ainda que não seja pelos mesmos
caminhos, de fato, tudo na vida tem ida e volta. Ou melhor, quase tudo...
Ainda que atualizado diuturnamente pelas
lembranças, o passado não tem volta. Ao contrário dos binários, não existe uma
via paralela para os grandes momentos da vida. Quando passar por um deles,
estacione o carro da sua vida, abra a janela do seu coração e contemple
atentamente cada detalhe.