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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Recados para um pseudossertanejo

Depois de um show em Montes Claros, Gusttavo Lima chegava sozinho em sua Lamborghini alaranjada. Abriu a porta, sentou-se e antes de dar partida no motor, deparou-se com um senhor de bigode sentando no banco do carona.
 
Quase morreu de susto, mas o pior só não aconteceu quando ele percebeu que aquele homem tinha um rosto familiar. Era Tião Carreiro, o maior violeiro de todos os tempos, músico que é uma referência para quem é do mundo sertanejo.

Seria um diálogo normal se Tião não tivesse morrido há 22 anos. Mesmo assim, Tião não se fez de rogado e já foi assuntando:

– Boa noite, seu moço. Bonito o seu carro, hein... Na minha época, num tinha nada disso não... – comentou o violeiro, com aquele sotaque característico.

– Como você entrou aqui? – indagou Gustavo, querendo entender a situação.

– O moço se esqueceu que não mais desse mundo? Se um fantasma pode inté atravessar uma parede, as lata deste carrão num é nada... – explicou Tião.

– Está bem, mas por que você resolveu aparecer logo para mim?

– Tô que nem aquela música que é minha: amargurado – respondeu, de forma sisuda – tão me botando no mesmo saco que muita farinha de segunda.

– Mas, por quê? – quis saber Gusttavo, talvez um pouco desconfiado da resposta.

– Porque cantores como ocê, o povo chama de “sertanejo”, iguá como chamavam eu e meu parceiro Pardinho. Isso num é justo! – bradou o violeiro

– Qual o problema com a gente? – questionou Gusttavo Lima, quase em tom de choro, como um neto ouvindo a bronca de um avô.

precisando desabafar algumas coisas...

Tião Carreiro respirou bem fundo e começou a contar aquilo que tanto angustiava o seu coração:

muito triste por saber que aquele povo gostava tanto das minha moda vai gostar disso que ocê e seus amigo tão cantando por aí. Só tava esperando um de ocês aparecer pra cantar na minha cidade natal pra ter dois dedos de prosa...

– Mas, eu sou um dos que cresceu ouvindo as suas músicas. Gosto muito das suas modas... – tentou se justificar.

– Pelo visto, num aprendeu foi nada... – respondeu Tião, sem dar tempo de Gusttavo pensar em alguma desculpa.

– Se você acha que a minha música é tão ruim assim, o que eu posso fazer para melhorar? Diz, para mim, professor. – provocou, em tom irônico, o sertanejo universitário.

O violeiro olhou Gusttavo nos olhos e iniciou sua primeira lição:

Pra início de conversa, qual é a primeira que ocê faiz quando acorda?

– Levanto da cama, dou um beijo no meu amor e digo a ela: “Te amo, meu bebê” – respondeu Gusttavo, se requebrando, como se estivesse ouvindo “Fui fiel”.

– É assim que ocê mostra o seu romantismo? Não fosse esse carrão, duvido que ocê ia mulher... – tirou uma casquinha o violeiro – e depois?

– Pego o telefone e aviso a galera: “Eu já lavei o meu carro, regulei o som; já tá tudo preparado, vem que o brega é bom” – terminou a frase já cantando no tom de “Balada Boa”.

– Brega? Que trem é esse? Só sei que sertanejo num é... – maneou o dedo indicador de um lado para o outro, mostrando sua contrariedade – ocê sabe o que é rima, o que é métrica ou o que é um acorde? O moço sabe tocar algum instrumento?

– Tocar? Sinceramente, só o terror... – disse Gusttavo, em tom jocoso.

– Nisso eu vô concordá com o moço. O que ocê faiz é um terrô. Inté parece que ocê é o matuto e eu o universitário – retrucou à altura a provocação

Depois de dar uma boa gargalhada da invertida que dera no garoto, Tião Carreiro recomendou:

– Para de fazer essas porcaria pra ganhá dinheiro e começá a fazê umas moda boa. Ocê inté que canta bem. Só faltando uns verso mió escrito, com mais sustança, que faiz mexê com o coração e não c´as cadeira – salientou Tião, voltando a ser o avô para o Gusttavo; desta vez, com ares mais ternos.

– Está bem, Tião. Eu juro que vou tentar melhorar daqui em diante, vou caprichar no repertório – prometeu Gusttavo, cruzando os dedos, já pensando em juntar grana para comprar um jatinho novo – estou pensando até em regravar uma sua. Você deixa?

– Claro! Mas é bão ocê cunversá c´a minha famiage. Se ocê fala que eu mermo dei a autorização, vão achá que ocê ficô louco...

– Verdade! Aliás, toda essa conversa é muito doida. Acho que foi o show de hoje, mexeu com o meu juízo... – disse o sertanejo universitário, se dando conta de quão confusa era a situação.

Tião já estava passando a mão na porta para ir embora, quando Gusttavo o convidou: 

Bora dar uma voltinha na minha Lamborghini...

Vamo lá! Nunca que andei num carrão bonito que nem esse... – aceitou, feliz, a proposta. 

Em questão de minutos, os dois já estavam em uma rodovia que, às três da manhã, estava completamente vazia. Ali, o touro italiano bufou forte e alcançou 300 quilômetros por hora com a rapidez de um passe de mágica.

– Você viu que máquina, seu Tião? – perguntou, Gusttavo, orgulhoso do seu brinquedinho... 

– Vai com carma, seo Gustavo... – assustado, o violeiro, mudou até a forma de tratamento para com o moço – é bom ocê lembrá que eu já morto. Se esse trem aqui batê, quem se estrepa é ocê...




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