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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Qual é a diferença?



Embora o assunto rendesse e merecesse, o que você lerá nas próximas linhas não faz nenhuma menção à ótima série de reportagens – encerradas ontem - apresentadas por Drauzio Varela e Breno Viola no Fantástico (TV Globo). Infelizmente, o preconceito sofrido por quem tem síndrome de Down é apenas mais uma derrota entre tantas nas batalhas que a humanidade trava contra si mesma.
Hoje, 7 de setembro, lembramos dos 193 anos da Independência do Brasil. Nunca participei de desfiles cívicos na avenida, mas, pela primeira vez, não me senti nem um pouco emocionado com os sentimentos de nacionalismo evocados nesta época.

Isso tem muito pouco a ver com os escândalos de corrupção que pipocam toda hora no noticiário – fosse assim, teria “jogado as betis” em 1997, quando veio à tona aquela história (mal investigada, aliás) de “compra” de votos para a aprovação da emenda constitucional que permitiria a reeleição de Fernando Henrique Cardoso no ano seguinte. A causa da minha falta de nacionalismo está nele mesmo, na forma como esta expressão está sendo levada a cabo por governantes de todo o mundo, sobretudo os da Europa.

Foi em nome do nacionalismo que o premiê da Hungria, Viktor Orbán, fechou as fronteiras de seu país para o fluxo imigratório sem precedentes neste século – dezenas de milhares de pessoas que, em sua maioria, fogem dos horrores da guerra civil na Síria. Há um mês, antes de este episódio ganhar tons dramáticos, ele já havia mandado publicar uma placa deixando bem claro que imigrantes seriam bem-vindos contanto que não tirassem empregos dos húngaros.

Questionado, Orbán disse que estava preocupado que a presença em massa de refugiados de origem muçulmana colocaria em xeque as raízes cristãs do Velho Mundo. É estranho que a principal autoridade de um país do leste europeu – origem de parcela considerável dos imigrantes presentes nas principais potências do continente – tenha um discurso que, se levado ao extremo, pode se virar contra seus nativos que foram, a exemplo dos sírios, em busca de uma vida nova na Alemanha, na França, na Espanha ou no Reino Unido.

Qual a diferença entre o húngaro que está em um emprego informal em Paris de um sírio que viverá de biscates em Munique? A rigor, os dois estão “tirando empregos” de nativos, precisarão de cuidados especiais dos governos que os acolheram e sofrerão bastante com a xenofobia que reina em muitos setores da sociedade europeia contemporânea.

Antes de o mundo se comover com a foto do pequeno Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia na travessia que fazia com a família entre Turquia e Grécia, os líderes das principais economias pareciam não dar muita importância ao assunto. Hoje, alguns deles anunciaram que injetarão recursos no atendimento a essa multidão que anseia por um pouco de paz.

A premiê alemã, Angela Merkel, por exemplo, falou em aplicar a cifra de € 6,6 bilhões para esta finalidade. Parece um dinheirão que não tem fim, mas é pouco se avaliarmos os erros que as grandes potências europeias, juntamente com os Estados Unidos (sempre eles!), cometeram (por ato ou omissão) nos últimos 70 anos em relação aos países do Norte da África e do Oriente Médio.

Para encurtar a conversa, vamos ficar no caso da Síria. O país é governado por Bashar-al-Assad, que não é nenhum santo e, ao contrário de outros ditadores do Oriente Médio, tem o grave “defeito” de não querer cooperar com os valore$ do Ocidente.

Diante da formação de um grupo forte de oposição a Assad, as potências enviaram armas e aquele “apoio moral” para derrubarem o tirano. Não deu certo e o ditador, com apoio de tropas fiéis e aliados como Rússia, Irã e China, resistiu à investida.

Isto, por si só, já caracterizaria um fracasso na estratégia de Estados Unidos e União Europeia. O que viria, no entanto, seria ainda pior: integrantes do Estado Islâmico, infiltrados entre os opositores de Assad, roubaram armas e passaram atacar contra tudo e contra todos.

Viu só como a busca a qualquer custo para a solução de um problema pode causar outros tantos?

Pode até parecer inoportuno falar em política internacional justo no Dia da Pátria. Aí, eu pergunto-lhe, qual a diferença entre um cidadão comum nascido e criado no Brasil que aproveitou o feriadão prolongado para algum sírio, que, nesta hora, pode estar cruzando o Mar Mediterrâneo em um barco à deriva?

Temos culturas, religiões, traços físicos diferentes. Mas ambos são seres humanos, com angústias semelhantes, com instinto de sobrevivência, com o desejo por felicidade...

É triste ver governantes separando seres humanos em classe econômica e executiva. Tenho orgulho de ser brasileiro, mas esse patriotismo terá pouca valia se eu não for minimamente humano em minhas relações.

Até que eu trate os haitianos que vivem em nossa cidade como iguais, falar em amor à Pátria será um discurso vazio. Qual a diferença entre “nós” e “eles”?

Naquilo que é mais básico, nenhuma: somos frutos do mesmo fenômeno que une ovário e espermatozoide e viraremos jantar para vermes assim que morrermos (a não ser que haja uma cremação); por falar em coisas putrefatas, necessitamos ir ao banheiro frequentemente e deixamos lá o mesmo “produto”; para que isto seja possível, ambos também precisam comer e tomar água algumas vezes por dia.

Antes de ser um brasileiro, este que escreve essas linhas é um ser humano que se sente fracassado toda vez que vidas como a de Aylan Kurdi são prematuramente interrompidas pelos erros da gente adulta e poderosa deste mundo. Mas esse mundo só será melhor quando todos pararem de definir uns aos outros por sua nacionalidade, sua religião, sua aparência.

Qual a diferença, se todos nós nada mais somos que homo sapiens, com 23 pares de cromossomos em cada célula? Ok, quem tem síndrome de Down tem um cromossomo a mais no par 21, mas essa pequena dissemelhança mostra o quanto eles estão à frente de quem não tem deficiência nenhuma...

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